Resenha de Artigo publicado na
REVISTA SEMESTRAL DE ESTUDOS TEOLOGICOS – REFLEXUS. N 4 Ano IV, Maio/2010 Pós-Graduação em Ciências da Religião FUV Vitória - ES BITTENCORT FILHO, José. DA POLÍTICA DE DEUS Um Ensaio sobre Democracia e Religião. P 127-166.
José Bittencourt Filho é doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP Mestre em Ciências da Religião e professor da Faculdade Unida de Vitória – ES
Profundo conhecedor da matriz religiosa brasileira, cristão com visão elevada dos movimentos religiosos, sociais e políticos do mundo ocidental, crente na universalidade do Evangelho de Jesus Cristo.
Em DA POLÍTICA DE DEUS Um Ensaio sobre Democracia e Religião, J. Bittencourt Filho começa mostrando uma pesquisa da ONU em 18 países da America Latina, com 19 mil pessoas onde 56,3% dos entrevistados entendem que o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia. Segundo o autor é “uma constatação alarmante, qual seja a de que, em face da insegurança quanto ao presente e ao futuro, a maioria dos latino-americanos daria preferência a regimes autoritários economicamente eficazes, do que a democracias incapazes de solucionar o problema da pobreza endêmica e da falta de oportunidades de ascensão social.”
E afirma não possuirmos ainda uma teoria exaustiva da participação política em função das condutas participativas estarem associadas a pendores ideológicos e tendências teóricas nem sempre convergentes ou consensuais.
Citando analistas afirma que há uma busca dos grupos humanos por criar uma contraposição à mundialização cultural, à globalização financeira e a imposição do pensamento único. Considerando a religiosidade latino-americana, afirma que alguns fenômenos parecem evidenciar a escolha das organizações religiosas como um novo canal de participação política.
Apresenta uma perspectiva teórica, ou seja, no ensaio pretende verificar a hipótese de que esta nova alternativa não só faz parte de uma nova concepção entre religião e política, como em vez de contrastar, reforça a lógica sistêmica. Isso para a democracia vigente, mas também para um novo projeto democrático que entende urgir ser elaborado pelos países e povos excluídos e/ou submetidos a nova face de dominação.
DA POLÍTICA DE DEUS – Neste Ensaio sobre Democracia e Religião, o autor busca o fundamento e as motivações que levam os indivíduos do meio religioso a buscar na política um espaço para ser ocupado e quais os propósitos nesta, talvez, pseudo obra missionária? Buscando verificar a partir do fundamento e das motivações confessas referentes ao plano da justificação simbólica e/ou da ideologia. Privilegiando observar os aspectos da mobilização, que é fundamental a qualquer empenho participativo.
Enumerando primeiramente os empecilhos a participação política, entende que o cenário neoliberal que se vive, a via da participação está se tornando cada vez mais rara, entre outras razões, pela carência de pontos de referência para uma participação política conseqüente. Para o autor, o poder real é opaco e múltiplo, e entende que há um afastamento entre política e poder em virtude de uma lógica econômica inexpugnável e o surgimento de novos megacentros mundiais de poder. Ainda, foi tecida uma rede ideológica e tecnocrática por demais complexa que impede e desestimula a participação política, pela falta de preparo das pessoas para esta expressão de cidadania. Ainda diz que: O neoliberalismo ao implantar suas políticas em grande escala, aliena os indivíduos dos centros decisórios. As noções de liberdade, democracia e de cidadania, vão se deteriorando em virtude do despreparo das pessoas para a participação efetiva na política. Isso provoca uma dilapidação das instituições estatais, incute a culpa do atraso e da corrupção endêmica à burocracia, eximindo o capitalismo selvagem que inculca o consumismo e o mercado total elitizado da responsabilidade pelas desigualdades e pelo endividamento desenfreado das classes dominadas. Isso impede a participação política que exige racionalidade, autonomia, e autodeterminação.
O autor, na prática, nos leva a entender que a elite que instigou os nativos a sentirem-se impossibilitados de viverem sem o aço do facão e do machado, além dos espelhinhos, e assim foram escravizados, hoje nos faz presas de uma mentalidade que prioriza o trabalho sem racionalizar o porquê, pois está ansioso por viver no consumismo televisivo.
Num segundo plano, afirma que Política e Religião, por terem andado juntos desde os primórdios da humanidade são, vistas por uns como a forma de sacralizar e legitimar as organizações sociais. Sacralizando hierarquias de dominação. Por outros como a religião era vista como a forma mais acabada de ideologia, camuflando diferentes formas de espoliação econômica e de alienação, anestesiando o ímpeto pelas transformações sociais. A exemplo de estados onde a divindade da monarquia foi instalada. No ocidente isso foi sendo transformado nos últimos 300 anos pela laicização do Estado, separando-o da religião. Cabendo a descrição e a interpretação do fenômeno cada vez mais às chamadas ciências do social. Os movimentos sociais a partir da década de setenta, acrescentaram uma fundamentação religiosa às suas ações políticas na América Latina. Abrindo amplo diálogo entre cientistas sociais e teólogos sobre este tema.
O autor fundamenta suas afirmações nos grandes vultos da história, como Durkheim, Weber, Marx e outros, afirmando que a religião emerge como um fenômeno social que se confronta com a pretensão de uma sociedade sob a égide da racionalidade cientifica. Ainda, religião agrupa pessoas, dando sentido à vida, coesão entre indivíduos, pois se encontra em todas as sociedades conhecidas e assim se apresenta como uma categoria universal. E, classifica como uma revolução copernicana no método teológico dos cristãos da America Latina a incorporação das ciências sociais na mediação socioanalítica. Classificando como emblemática a participação dos cristãos nas lutas por direitos humanos e redemocratização. O apoio dos evangélicos à candidaturas com pretensões corporativas, de candidatos próprios ou de outras cores partidárias a partir de um determinado momento, na maioria dos países da America Latina, não podiam mais ser ignorados.
Sua visão do pontificado de João Paulo II mostra uma situação muito comum no nosso país, quando calou o teólogo Leonardo Boff, por ter o papa priorizado as alianças com o capitalismo hegemônico, preferindo Opus Dei, Renovação Carismática, Cavaleiros de Cristo, etc. em detrimento às pastorais, que cerceadas de apoio, praticamente acabou com o catolicismo progressista do Terceiro Mundo. Também mostra o autor que é significativo os resultados que a participação dos evangélicos conseguiu na política depois da redemocratização, sendo em semelhança à política praticada pela direita religiosa norte americana.
O absenteísmo político dos evangélicos durante a ditadura cai por terra quando mostra ter sido durante os regimes de exceção que ouve o maior crescimento do poder dos evangélicos na mídia, pois apoiavam as ditaduras latino americanas pelo temor de ocorrer o mesmo que houve em Cuba. Lembrando que a sociedade civil organizada a partir de um conjunto de crenças e valores respectivos, configura a denominada “religião civil”, sendo esta por definição, um casamento entre política e religião.
O que surpreende no texto é que não nos damos conta da forma como o imperialismo estadunidense se afirmou após a guerra fria. São constatações, com riqueza de detalhes, para quem é pouco familiarizado com política internacional, para que se dê conta que o mundo está engessado no propósito do destino manifesto, agora com o nome de democracia global (americanizada) que, de forma pernóstica faz o processo neoliberal erradicar o Estado benfeitor, alterando sua própria natureza, ao alterar o sentido clássico do que se entende por soberania nacional. E isso feito por organismos ajojados ao poder norte americano, como o FMI, Banco Mundial e o próprio Departamento de Estado dos EUA. E afirma que Lula, mesmo depois de uma esmagadora vitória nas urnas, precisou submeter-se ao poder real que está alicerçado no núcleo intocável do sistema financeiro. E vejo a verdade do que o texto mostra, pois uma das provas é um banqueiro tucano na presidência do Banco Central até hoje.
Para fechar o assunto, diz que na ótica das elites dominantes, a sociedade civil seria o lugar do desenvolvimento das potencialidades e o espaço do exercício das liberdades, para os indivíduos. Cabendo as empresas o provimento dos recursos que sustentam a população, e o terceiro setor suprir as carências do sistema, limitando o Estado a normatização jurídica, o direito a propriedade e ao livre exercício empresarial, os serviços essenciais e a segurança pública. Sendo o mercado o regulador supremo das interações humanas.
Neste ponto é que o texto mais chama a atenção, pois esta lógica já implantada, quebrou o mercado capitalista baseado na bolha de crescimento global quando da desintegração do sistema habitacional estadunidense e outras “sólidas instituições”, e as regras de mercado foram para o lixo. O contribuinte pagou para que instituições mundiais não quebrassem, pois aí viraria pó o capital das elites nele investido.
J. Bittencourt Filho afirma que na atual conjuntura internacional, faz-se necessário reconhecer que se encontra em curso uma espécie de “nudez ideológica”, sobremodo no que diz respeito à integração entre Sociedade Civil e Estado. Mas a sociedade civil encontra-se em movimento, ainda de forma embrionária, e um dos expoentes é o Fórum Social Mundial.
Conclui dizendo que jamais houve separação nítida entre religião e política, no quadro atual de transição civilizatória e de implantação de uma nova ordem internacional. Cita que há uma estreita ligação hoje entre igreja/estado, avalizado pelo livro do renomado sociólogo Joanildo Burity: 2001, 04 “Igrejas ou organizações representativas daquela, vão a público, mantém interlocução com autoridades civil e políticas, publicam manifestos, apóiam abertamente candidatos a cargos eletivos, organizam manifestações de rua. O Poder Executivo conclama organismos religiosos a atuarem diretamente (...). Organizações da Sociedade civil constantemente se definem com um ‘terceiro setor’ , público e não estatal, com pretensões de interferir diretamente nas decisões políticas e nas práticas de mercado, e contam os organismos religiosos entre os que compõem este setor.”
Fecha assim o texto: À semelhança do período em que o império romano tolerava todas as religiões desde que reconhecessem a divindade do imperador, vive-se um processo em que à mescla entre religião e política não gera os efeitos esperados em períodos históricos anteriores, porquanto ambas as instâncias se encontram submetidas à “adoração” do deus-mercado.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
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